Primeiro Relatório Sobre as Paternidades Negras no Brasil

Sobre este relatório
Daniel Costa Lima e Luciano Ramos

Como escreve a colombiana Mara Viveros Vigoya, é preciso “minar a ideia de uma masculinidade abstrata, universal e desencarnada” (2018, p. 24), e uma das formas de fazer isso é chamando atenção para o fato de que “os homens colonizados nunca foram os que definiram a masculinidade ideal” (Vincent Joly, 2011. In: Vigoya, 2018).¹ Henrique Restier segue caminho similar ao afirmar que a “pretensão de universalidade e neutralidade produzida pela branquitude masculina empresta-lhe um poder normativo sem igual, fazendo
com que seja tomada como medida de (quase) todas as coisas”.² Dentre essas coisas, está seguramente a paternidade, já que é preciso reconhecer que não foram os homens colonizados, e muito menos os
homens não brancos de países colonizados, como o Brasil, que definiram e que continuam a definir o que é a “paternidade ideal”. Este relatório representa um esforço inédito de trazer os pais negros e as paternidades negras para o primeiro plano de discussão. Este relatório existe porque pais negros existem e resistem.
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE (2015), 55,8% da população brasileira se autodeclara como “negra” (46,5% como parda e 9,3% como preta) e 43,1% como “branca”, no entanto, quando olhamos para indicadores como renda e emprego, educação, saúde, violência e representação política, rapidamente se vê o desequilíbrio e a desigualdade entre brancos e negros em nosso país.

Em resumo, o que esses indicadores mostram é que ser negro(a) impacta, basicamente, em todos os aspectos da vida das pessoas pardas e pretas do Brasil. Então, por que não haveria de impactar também a experiência
da paternidade (e da maternidade) da população negra brasileira? Essa pergunta, aparentemente óbvia, precisa ser feita para que possamos melhor compreender esse cenário e traçar estratégias que garantam à maior parcela da população do Brasil, os direitos descritos em nossa Constituição Federal e em outros dispositivos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O diálogo entre o professor Henrique e seu filho Pedro, no livro “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, nos dá a magnitude do alcance da cor da pele em um mundo branco:

Você sempre dizia que os negros tinham de lutar, pois o mundo branco
havia nos tirado quase tudo e que pensar era o que nos restava.
É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que
ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso
corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua
vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver
estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem que preservar
algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e
veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão
os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos. (p. 55)³

Como afirma Silvio Almeida (2019) “Em um mundo em que a raça define a vida e a morte, não a tomar como elemento de análise das grandes questões contemporâneas demonstra a falta de compromisso com a ciência e com a resolução das grandes mazelas do mundo” (2019, p. 57). 4

1 VIGOYA, Mara Viveros (2018). As cores da masculinidade: Experiências interseccionais
e práticas de poder na Nossa América. Papeis Selvagens.

2 RESTIER, Henrique (2018) Por que tenho orgulho de ser um olhem negro?
Disponível em: http://www.justificando.com/2018/01/19/por-quetenho-
orgulho-de-ser-um-homem-negro

3 TENÓRIO, Jeferson (2020). O avesso a pele. Companhia das Letras.

4 ALMEIDA, Silvio Luiz de (2020). Racismo Institucional. São Paulo: Sueli Carneiro;
Editora Jandaíra.