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Foto do escritorPormundo

Sobre a cultura do estupro e as formas de desafiá-la




A cultura do estupro é o que permite que casos como o da menina de 16 anos brutalmente violentada por mais de 30 homens e exposta como um troféu nas redes sociais aconteçam e continuem acontecendo.


Estamos todos horrorizados, perplexos, indignados, enojados, clamando por posicionamento do poder público, aguardando punição etc. A cultura do estupro também normaliza a barbaridade do estupro, culpando a vítima pela própria violência sofrida. E como isto acontece? Basta ler os jornais que publicaram a notícia da violência. Muitos mencionaram, mesmo que sutilmente, a possibilidade da menina ser usuária de drogas e frequentar uma comunidade dominada pelo tráfico. Dessa forma, ela se torna responsável pelo que aconteceu, logo é culpada.

Se a adolescente estuprada se comportasse segundo os valores morais da cultura brasileira, ou seja, como uma “menina de respeito”, nada disto teria acontecido, é o que pensa a sociedade constituída nesta cultura. É preciso deixar o ato violento e a vítima na escuridão, pois de alguma forma afastamos a maldição de nós. Da mesma forma é preciso transformar em monstro o autor da violência, pois assim justifica-se o linchamento público e o justiçamento em suas mais variadas formas de violência.


Na cultura do estupro, os homens são violentos por natureza, não “negam fogo” com mulheres consideradas não respeitáveis e casam-se com belas, recatadas e do lar. A vida segue assim. Entretanto, nesta mesma cultura, quando o autor da violência responde pelo crime é jogado em uma jaula para ser justiçado por outros homens igualmente violentos. Faz parte da nossa cultura e todos entendemos como algo aceitável. Pensamos assim por nos colocar no lugar da(s) família da(s) vítima(s). E se fosse nossa filha, irmã ou alguém próximo das nossas relações? O grande problema é a naturalização deste ciclo, que começa, termina e recomeça há tempos sem que haja contestação capaz de mudar esta realidade. Afinal, sempre foi assim.


Diante da nossa perplexidade repousada na cultura do estupro, vamos aguardar a próxima vítima e clamar por justiçamento do monstro da vez. Enquanto isso, em nome de Deus e da família brasileira, estamos assistindo passivamente a retirada da abordagem de gênero dos planos de educação, nos estados e municípios. Não se trata apenas de um detalhe, mas da única forma de lutar contra a cultura do estupro.


É através da reprodução das normas de gênero que culturalmente é suposto que o corpo da mulher não é dela. Lembramos que o aborto no Brasil é criminalizado, e, diante do estupro, há forte lobby conservador nos dias de hoje para que a vítima tenha que seguir árduo procedimento burocrático para provar a violência e ter direito ao aborto.


É também em uma realidade onde as discussões sobre gênero nas escolas sejam possíveis que as crianças começam a entender que a violência nas relações interpessoais não é natural. É também na escola que os meninos deveriam aprender que não significa não, diante da negativa da mulher de não querer se relacionar sexualmente. É também na escola que os meninos e meninas deveriam aprender que o diferente não deve ser eliminado, uma vez que as pessoas em uma sociedade democrática são livres para escolher o que querem fazer com os seus corpos.


Há uma forte discussão atualmente sobre a tal “ideologia de gênero”. Trata-se de mais um cinismo intelectual para que o corpo da mulher continue sendo propriedade do Estado e dos homens, no fim, para que elas se mantenham submissas; para que a população LGBTI continue distante dos poucos direitos que já lhe são garantidos, mas que ainda não têm adesão da nossa sociedade conservadora.


Precisamos entender que estamos diante de uma oportunidade sem igual em nossa história. Lutar por democracia é lutar por direitos civis. É preciso instrumentar a democracia com leis, regras e políticas públicas. Só faz sentido se houver pactuação social. Transformemos assim a nossa indignação mais genuína em uma discussão pública que tenha como objetivo principal a eliminação da violência (pública e privada), mas não sob os meios tradicionais (como polícia e repressão), mas através do mais revolucionário dos instrumentos democráticos que tem uma sociedade: a educação.

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