Post original: Site Rede Nacional Primeira Infância
A Assembleia Geral da Rede Nacional Primeira Infância, reunida no Rio de Janeiro nos dias 29 e 30 de junho, aprovou uma carta interna sobre as prioridades estratégicas para a ação da RNPI diante do cenário político e econômico atual e seus impactos negativos no campo dos direitos das crianças brasileiras.
A carta denuncia a deterioração das condições de vida das crianças e suas famílias em consequência da restrição orçamentária provocada pela Emenda Constitucional 95, que limita os investimentos na área social, bem como itens das reformas trabalhista e previdenciária, que agridem direitos fundamentais de trabalhadoras e trabalhadores, impactando a vida das crianças. E reafirma o projeto da RNPI e seu compromisso na defesa de políticas públicas voltadas às crianças na primeira infância, além de exaltar a potência do trabalho em rede (clique aqui para fazer download do documento oficial da Rede Nacional Primeira Infância).
O documento foi produto de um debate sobre conjuntura política e econômica que abriu a Assembleia Extraordinária. Claudius Ceccon, coordenador da secretaria executiva da RNPI/CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular, abriu o encontro abordando o contexto político. “Nossa tarefa é pensar um novo Brasil em meio a tanta adversidade. A Rede Nacional Primeira Infância é um ator político neste jogo, e é preciso refletirmos juntos sobre nosso projeto de nação. O grande valor da Rede é nossa riqueza de experiências: temos desafios mas também temos recursos para solucioná-los”, afirmou Claudius.
Em seguida, iniciou-se uma roda de debate sobre as políticas públicas para a primeira infância e projetos de lei em tramitação no Congresso. Vital Didonet, assessor legislativo da RNPI, relatou uma série de riscos e retrocessos tanto no âmbito do poder executivo federal quanto no Congresso Nacional. “As políticas sociais estão sendo fragmentadas, o que leva ao isolamento de quem trabalha na sua concepção e implementação. A Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos sociais até 2034, é um grande entrave ao desenvolvimento social brasileiro. Precisamos estar conscientes e bem informados, e produzir documentos técnicos, passar para jornalistas, publicar em blogs para anunciar o novo possível”, afirmou Vital Didonet.
Rita Coelho, do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), também alertou sobre a atual conjuntura. “Discutir direitos implica em ter um projeto de sociedade e utopia, e nós temos essa utopia concretizada no Plano Nacional Primeira Infância e no Marco Legal da Primeira Infância. E o maior veneno que está afetando a nossa utopia e nosso plano de nação é o clima beligerante do ‘nós contra eles’. Nosso desafio é manter o debate ético e transparente, e valorizar nossa diversidade. A falsa polarização que observamos é uma manobra perversa e artificial, precisamos resistir e defender os espaços de diálogo e participação”, afirmou Rita.
Liliana Lugarinho, da Estrategia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis (EBBS), abordou o tema da saúde. “Estamos muito preocupados com à atenção básica nos municípios e com a falta de recursos. Cento e cinquenta e cinco bilhões de reais deixaram de ser aplicados na saúde. Falta leito de hospitais, falta transporte para as crianças e famílias. É assustadora a quantidade de dinheiro que deixou de ser investida em saúde, não se pode aplicar a relação de custo-benefício quando falamos de vidas humanas”, afirmou Liliana. Carmem Hernaez, da Edupas, organização de Buenos Aires, fez o comentário final, identificando semelhanças entre a situação brasileira e o momento político na argentina, que tem reduzido espaços de participação social.
“Parece que estamos passando da fase da invisibilidade das crianças e adolescentes nas políticas públicas para um período de danos a essas crianças. Diversos projetos de lei em tramitação no Congresso representam retrocesso nos direitos humanos , como a redução da maioridade penal, a redução da idade de trabalho, o escola sem partido. O problema do Brasil não é a falta de recursos, como nos querem fazer crer, estamos vendo um país em que políticos roubam o dinheiro da merenda das crianças”, afirmou Flavio Debique, da Plan Brasil. Fabio Paes, da Aldeias Infantis SOS Brasil, chamou a atenção para a conjuntura internacional: “Existe um projeto em curso, acima do presidente ou do poder legislativo, é um projeto de mundo, em que o Estado não existe, apenas a lei de mercado”.
A partir do debate estabelecido e com objetivo de organizar as ações dos integrantes da RNPI, a assembleia discutiu e aprovou por unanimidade uma carta estratégica de ações. O documento reafirma a importância da defesa do princípio da prioridade absoluta na garantia dos direitos da criança e adolescente, e convoca as organizações integrantes da RNPI para uma lista de ações estratégicas diante deste cenário. Entre as ações listadas, está a manutenção e ampliação de espaços democráticos de diálogo e participação e a necessidade de ampliar e aprofundar as ações de comunicação interna e externa, com o objetivo de disseminar conhecimentos e fortalecer a conexão dos integrantes da RNPI com outras organizações e com a sociedade em geral. Outra ação estratégica ressaltada na carta é valorizar e reconhecer a ação das organizações que trabalham diretamente com crianças e suas famílias, convocando para que seus públicos conheçam e ampliem a consciência dos seus direitos e participem ativamente na sua reivindicação – bem como para que os dados e relatórios produzidos por estas organizações sejam reconhecidos como fonte de conhecimento e informação sobre a situação das condições de vida das crianças brasileiras.
“As crianças não são culpadas por nenhum dos males presentes, e não devem ser penalizadas pelas medidas de ajuste econômico. Sua vida, saúde, educação, alimentação, o brincar e o lazer, cultura, vínculos familiares e outros – devem ser preservados. Em momentos de crise, esses direitos carecem de proteção e cuidado ainda maior. Além disso, deve ser promovido o acesso de todas as crianças, de todas as infâncias brasileiras, às oportunidades de inclusão e desenvolvimento”, afirma o documento.
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