Por Milena do Carmo, Coordenadora de Projetos do Promundo-Brasil
Cedendo a pressões da base conservadora do Congresso Nacional, o Ministério da Educação está prestes a aprovar mais um retrocesso relacionado ao debate sobre equidade de gênero nas escolas. No início do mês de abril foram retirados da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que serve como parâmetro para a elaboração dos conteúdos em sala de aula, os termos “orientação sexual” e “identidade de gênero”. A BNCC apresentada é voltada apenas à educação infantil e ensino fundamental, sendo o Ensino Médio excluído dessa versão. O documento foi oficialmente entregue no dia 6 de abril ao Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão responsável pelos próximos passos do processo de instituição da base. Após análise, o CNE irá elaborar um parecer e um projeto de resolução e a BNCC volta para o MEC para homologação. A partir desse processo passa a vigorar oficialmente.
Além da supressão dos termos, houve também a supressão de norma que garantia o uso de banheiros, vestiários e outros espaços não segregados por gênero, quando houvesse, de acordo com a identidade de gênero de cada pessoa, publicada em março de 2015 pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), órgão vinculado atualmente à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Não coincidentemente, somos o país que apresenta o maior índice de assassinatos de pessoas LGBTI no mundo, com uma morte a cada 26 horas.
Nos últimos três anos uma série de ações vêm acontecendo: a palavra “gênero” foi sendo tirada dos Planos Municipais e Estaduais de Educação; o Projeto Escola Sem Partido segue ameaçando as liberdades individuais, de cátedra e de expressão; e há até mesmo uma “inspeção” em aulas da rede municipal de São Paulo por vereadores que querem garantir que não seja propagada a “ideologia de gênero” – título erroneamente atribuído ao debate relacionado ao respeito à diversidade e à promoção da equidade.
A exclusão dos termos contraria recomendação de 2015 do Comitê sobre os Direitos da Criança, órgão de monitoramento aos direitos da infância no mundo, que orienta criação de legislação que proíba a discriminação e a incitação de violência com base na orientação sexual e identidade de gênero, o que, na prática, permite dar sequência ao projeto ‘Escolas sem Homofobia’.
Foram feitas denúncias à Organização das Nações Unidas e a diferentes mecanismos de proteção dos Direitos Humanos no mundo, para que a gravidade da situação do país em relação à extinção de direitos seja reconhecida.
Como resposta a esses fatos e por acreditar no envolvimento de jovens em estratégias em prol da equidade de gênero, o Promundo tem trabalhado desde setembro de 2016, com alunos e alunas e profissionais de educação através do Projeto Jovens pelo Fim da Violência. Até agora foram oito escolas da rede municipal e uma da rede estadual, com a participação de jovens entre 13 e 19 anos, adultos e adultas que participam do PEJA (Educação de Jovens e Adultos) e profissionais da educação.
Por meio de grupos realizados nas escolas, são trabalhadas temáticas relacionadas a gênero, raça e etnia, relacionamentos, comunicação não violenta e diversidades. A metodologia do projeto foi elaborada em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e é composta por cinco fascículos.
No ciclo de 2017, o Projeto cresceu. Tanto nas escolas em que teve continuidade como nas novas escolas eleitas para o novo ciclo, aumentou o número de turmas atendidas, bem como o envolvimento da gestão escolar e a adesão voluntária de profissionais.
Além dos grupos, ao final de cada semestre é criada na escola uma campanha comunitária, sobre temática trabalhada nas oficinas com jovens e com profissionais. É o momento de culminância do Projeto e de trazer para a comunidade escolar o que a escola desenvolveu ao longo do semestre. Em dezembro de 2016, foi apresentada uma versão da Campanha Sem Vergonha, sobre direitos sexuais e saúde reprodutiva. Para 2017, cada Escola trabalhará com a temática que tiver maior relação com seus objetivos para o ano.
No primeiro ciclo de 2016, participaram 146 jovens, sendo 71 meninos, 66 meninas e 38 profissionais de educação, envolvendo comunidades escolares em Água Santa, Bangu, Centro, Riachuelo, Santa Teresa e Tijuca, no Rio de Janeiro.
Foram observadas, com base na avaliação de impacto realizada pelo Promundo, melhora em questões relacionadas a desnaturalização das violências de gênero e racial, apontando para um maior número de agressões relatadas e percebidas; bem como maior conhecimento dos mecanismo de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e da necessidade da divisão de tarefas de cuidado entre homens e mulheres. Por meio da avaliação de impacto, também foi possível perceber a necessidade de uma abordagem mais sensível de gênero para prevenir o uso das redes sociais como mecanismo de realização de controle e violência psicológica e para estimularo uso de métodos contraceptivos e de prevenção de ISTs.
O projeto está no final do segundo ciclo. Após a experiência, a metodologia utilizada no projeto será publicada, a fim de compartilhar as lições aprendidas e sistematizar as atividades testadas para que educadores promovam prevenção de violência de gênero e raça junto a estudantes nas escolas.
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