Por Alexa Hassink com contribuição de Giovanna Lauro e Nina Ford, Promundo.
Quinze milhões de meninas se casam antes de completar 18 anos. “A hora para acabar com o casamento infantil é agora”, disse Susan Markham, Coordenadora Sênior para Equidade de Gênero e Empoderamento de Mulheres da USAID. Os episódios envolvendo o rapto de meninas em uma escola da Nigéria no ano passado, os últimos casamentos forçados envolvendo agentes do Estado Islâmico (ISIL), e os esforços em se acabar com o casamento infantil em uma geração fazem Markham acreditar que todos devem “concentrar a atenção neste imperativo global” para garantir que as meninas em todos os lugares possam decidir se, quando e com quem vão se casar.
Em 51 países, pelo menos uma em quatro meninas se casa antes dos 18 anos. Embora os desafios para se enfrentar essa prática possam ser diferentes, há muitas lições aprendidas em comum – que foram revelados por especialistas no evento “Mulheres e Política Externa: Acabando com o casamento precoce e forçado” do Departamento de Estado dos EUA em 24 de setembro.
“Há um reconhecimento de que a igualdade de gênero é altamente importante para o que estamos fazendo”, disse Catherine Russell, Embaixadora dos EUA para Assuntos Globais da Mulher, em seu discurso de abertura. “Nossos objetivos comuns para o futuro – de paz, prosperidade e segurança – estão fora do alcance enquanto mulheres e meninas são tratadas como cidadãos de segunda classe.”
Com este evento inaugural sobre casamento infantil e forçado, o Departamento de Estado lançou duas semanas de atividades que antecederam o Dia Internacional da Menina, em 11 de outubro, e a Estratégia Menina Adolescente (Adolescent Girl Strategy) prevista para ser lançada ainda no final de novembro.
Onde acontece o Casamento Infantil?
Os números são impressionantes. Nos países em desenvolvimento, uma em cada três meninas vai se casar antes dos 18 anos, e uma em cada nove vai se casar antes de seu aniversário de 15 anos. Embora a prevalência de casamento com menores de 15 anos esteja em declínio, reduzir a incidência de casamentos entre jovens de 16 e 17 anos tem sido um caminho mais difícil.
“Casamento infantil não é uma questão isolada. É uma questão universal”, disse Giovanna Lauro, Vice-Diretora de Programas Internacionais do Promundo. Enquanto a Índia é frequentemente reconhecida pela sua alta taxa de prevalência, a prática ocorre em todas as regiões e entre todas as religiões do mundo. Por exemplo, em Bangladesh, Moçambique e República Dominicana, mais de 40% das meninas se casam antes dos 18.
O Brasil, país que geralmente não é associado à prática do casamento infantil, tem o quarto maior número absoluto de casamento com adolescentes do mundo. Enquanto existe como uma prática informal e recebe menos atenção, Lauro afirma que o casamento na adolescência no Brasil é associado as mesmas consequências negativas dos outros contextos: gravidez precoce, impactos negativos na saúde, violência de parceiro íntimo, oportunidades limitadas de emprego, e contratempos educacionais.
Porque meninas estão casando?
O casamento infantil está na intersecção de um amplo conjunto de questões, sublinhadas pela “universalidade da ansiedade e controle em relação à sexualidade e atividade sexual das meninas”, disse Margaret Greene, diretora da GreeneWorks. A prática reflete atitudes e expectativas profundamente enraizadas em torno dos valores e papéis das meninas na sociedade.
Do lado da procura, a investigação do Promundo no Brasil constatou que muitos homens expressam uma preferência por meninas mais jovens, que eles percebem como mais fáceis de controlar e manipular. Mesmo que nem todas as meninas entrevistadas no estudo tenham expressado o desejo de se casar em uma idade jovem, muitas disseram que viram o casamento como “a melhor opção disponível” dentro do contexto de poucas oportunidades.
Pondo fim à prática
Os especialistas convocados pelo Departamento de Estado concordam que o casamento infantil não é um problema com uma solução fácil, mudanças precisam acontecer dentro de indivíduos, famílias e comunidades e com o apoio de instituições e leis. “Basicamente, o valor da menina deve ser elevado”, observou Suzanne Petroni, Diretora Sênior do Centro Internacional de Pesquisa sobre a Mulher (ICRW). As sociedades podem começar a promover o valor das meninas através de conversas individuais e comunitárias, bem como desafiando a discriminação estrutural contra meninas visando promover oportunidades – em especial o acesso à educação secundária de qualidade e ao emprego.
“Enquanto temos um desafio global” complementa Petroni, “as evidências que temos são muito limitadas”. A necessidade por mais soluções baseadas em evidências é demonstrada pela revisão sistemática da ICRW de mais de 150 programas que abordam o casamento de crianças, das quais apenas 23 foram rigorosamente avaliados. A revisão, no entanto, identificou várias direções programáticas promissoras:
Empoderamento direto de meninas com informação, habilidades, e redes de apoio que podem ajudar a reduzir o isolamento social e econômico, dando a elas uma noção ampliada dos papéis que podem assumir na sociedade ao invés ou em complemento ao casamento. As próprias garotas precisam conhecer seus direitos e as diferentes oportunidades disponíveis para elas.
Educando e mobilizando pais e membros da comunidade, incluindo homens e meninos, para influenciar mudanças amplas nas normas sociais. Famílias e líderes comunitários devem reconhecer os benefícios de se investir na educação e nas habilidades das meninas porque estes líderes são muitas vezes agentes de influência para a mudança. O engajamento comunitário deve também envolver educação integral da sexualidade que aborda a saúde, direitos, consentimento e autonomia.
Melhorar o acesso e qualidade da educação formal para meninas foi considerado uma solução fundamental devido à forte correlação entre o tempo de permanência na escola e o tempo de permanência solteira.
Reforço na segurança em áreas públicas, em torno de escolas e demais espaços de lazer pode ser uma importante prevenção. Em contextos em que os riscos de assédio sexual e estupros são altos, o casamento precoce e forçado é visto como uma forma de proteger a honra das meninas em caso de uma gravidez fora do casamento.
Prover suporte e incentivo econômico para as meninas e suas famílias para permanência na escola como forma de evitar o casamento, de acordo com estudo da ICRW, também pode provocar resultados impressionantes. Pesquisa do Population Council na África mostrou resultados semelhantes. Incentivos econômicos foram particularmente eficazes com adolescentes mais velhas (idades 15-17), enquanto incentivos baseados na escola foram mais eficazes com as meninas mais jovens, afirma Anne Blanc, Vice-Presidente e Diretora do Population Council. Isso pode estar relacionado ao aumento da pressão econômica, pois conforme as meninas vão ficando mais velhas, as famílias estimulam o casamento.
Os especialistas concordam que estas estratégias devem estar todas emparelhadas com estruturas legais e políticas eficazes para prevenir o casamento e assegurar apoio às meninas casadas. Leis são necessárias não só para estabelecer as idades legal para o casamento (que devem ser as mesmas para homens e mulheres para não reforçarem a discriminação de gênero), mas também para permitir o acesso à educação de qualidade, incluindo para as meninas casadas e grávidas.
Quando pensamos em mulheres e meninas, não costumamos pensar sobre as normas e costumes rígidos de gênero, o que pode ser a maneira mais eficiente e eficaz para se alcançar justiça em certos ambientes, acrescentou Mehret Mandefro, presidente da Truth Aid e produtora do filme Difret. Enquanto muitos países aprovaram leis nacionais que estabelecem idades mínimas para o casamento, ela explicou, isso por si só muitas vezes não é suficiente para coibir a prática.
O caminho a seguir
“Não há realmente quaisquer soluções simples para este problema, que está enraizado na cultura, tradição e história”, disse Petroni. Soluções eficazes para acabar com o casamento de crianças e adolescentes requer investimentos em longo prazo – e não projetos de curto prazo – que levam a uma mudança duradoura e cultural.
Para conduzir investimentos cruciais para a prevenção do casamento infantil, são necessárias mais pesquisas – particularmente para entender os custos em se abordar a questão. A pesquisa do Population Council apontou que a prevenção de um único casamento infantil custa entre 300 e 600 dólares. Ao realizar a sistematização rigorosa dos custos do casamento na infância e adolescência de forma mais ampla – em termos de saúde, família, força de trabalho e violência – podemos estimular investimentos para enfrenta-lo, acrescentou Petroni. Os custos do casamento infantil serão detalhados em uma próxima análise da ICRW.
A fim de mudar as normas sociais entre os homens e suas famílias, precisamos coletar dados mais qualificados e detalhados sobre a preferência de homens por mulheres jovens e subordinadas, disse Greene. Além disso, programas de prevenção ao casamento infantil precisam ser elevados em escala e avaliados.
Para evitar o casamento precoce e forçado precisamos pensar sobre como sustentar resultados positivos em longo prazo e compreender melhor as relações entre educação e casamento infantil, incluindo o que funciona em contextos diferentes, acrescentou Blanc.
“A mudança é possível”, afirmou Russell, e é necessário estabelecer uma base saudável para o futuro das meninas – e dos países.
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