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Não é curtição, é exploração!

Por Tatiana Moura – Diretora Executiva Instituto Promundo



“Sou mais homem quando ensino a fazer sexo”. A frase podia ser ouvida num filme de classe B, mas o palco desta frase está muitas vezes longe das câmaras e entra na realidade do dia-a-dia de muitos espaços públicos e privados, por todo o mundo.


A frase é uma de muitas citadas na pesquisa realizada pelo Instituto Promundo, publicada em 2012, com homens com idades entre os 18 e os 59 anos, em quatro cidades no Brasil (Rio de Janeiro, Itaperuna, São Paulo e Natal)*. Na gênese desta construção está uma concepção ainda dominante do que significa ‘ser homem’, extremamente ligada à performance sexual masculina. Em outras palavras: para ser homem de verdade é preciso mostrar-se homem, ter várias parceiras sexuais, nunca falhar na hora h, entre outras coisas. Estas normas de gênero contribuem para a aceitação de um domínio masculino sobre as mulheres, e o corpo jovem, glorificado pela mídia, se torna o objeto do desejo para muitos homens que pensam que tendo relações com meninas/adolescentes se afirmam como homens.


Frases como “Sou mais homem quando ensino a fazer sexo”, “Eu só quis ajudar!” (se referindo ao dinheiro que ofereceu como uma “ajuda” para a menina), ou “Ela me provovou!” estamparão, no Brasil, cartazes de uma campanha para a prevenção da exploração sexual contra crianças e adolescentes (ESCA) durante a Copa do Mundo. A campanha “Não é curtição, é exploração sexual contra crianças e adolescentes”, promovida pelo Instituto Promundo, discute estes padrões de masculinidade.


De acordo com a pesquisa, existe ainda uma tendência de naturalização de determinadas situações de exploração sexual de adolescentes (tanto por parte de homens quanto de mulheres) ou mesmo de culpabilização das vítimas – 41% dos homens do Rio de Janeiro e 46% das mulheres afirmaram que consideram o ato como “prostituição adolescente” e não exploração sexual. Ou seja, consideram legítimo o ato. “Eu paguei por um serviço”, e não “eu sou um abusador”. Entre os homens que já tiveram relações sexuais com adolescentes, 69% afirmam ter amigos que também já se relacionaram com adolescentes. Esse número cai para menos da metade (30%) entre os que não tiveram relações sexuais com adolescentes. Este dado nos leva a inferir que há uma pressão de pares ou legitimação que pode influenciar outros homens a se relacionarem sexualmente com adolescentes. Além disso, 48% dos que afirmam já ter tido um relacionamento com meninas entre 12 e 17 anos o fizeram como uma forma de se sentirem jovens. Prevalece ainda a ideia de que “consumir” um corpo jovem torna o homem mais jovem.


As mensagens da campanha procuram desafiar a forma como muitos homens naturalizam o seu comportamento sexual diante de um/uma adolescente – muitas vezes considerado apenas uma “curtição” – e ainda os convoca a influenciar o olhar de outros homens, alertando que exploração sexual de crianças e adolescentes é crime e não pode ser tolerada. Com peças gráficas, audiovisuais e digitais, a campanha terá ação em 11 cidades brasileiras, cinco das quais lideram o ranking da prática nociva aos jovens e crianças, segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Fortaleza e Natal.

A escolha da Copa como momento do lançamento da campanha não é aleatória. Neste período, cerca de três milhões de turistas brasileiros e internacionais estarão circulando no país, o que aumenta significativamente a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. No entanto, a campanha do Promundo aborda aspectos da ESCCA que vão além das situações de exploração sexual típicas, em que há troca financeira, e que são evidenciadas em grandes eventos como a Copa e o Carnaval, por exemplo. A campanha busca sinalizar situações de exploração mais invisibilizadas e, portanto, mais difíceis de serem enfrentadas.


Alguns avanços para esse enfrentamento já foram sinalizados, como a aprovação do Projeto de Lei (PL 7220/2014) que torna hediondo o crime de exploração sexual de crianças, de adolescentes ou de pessoas vulneráveis e a Portaria que impede a entrada em território nacional de estrangeiros condenados por crime de pornografia e exploração. No entanto, há que não esquecer que este é um problema que permanecerá após a Copa, e que tem várias manifestações, interpretações e atores envolvidos.


O trabalho com homens e as formas como são socializados para promover comportamentos e práticas não violentas e positivas é um dos caminhos trilhados pelo Instituto Promundo, de forma a tornar inaceitáveis normas de gênero que normalizam e permitem práticas de exploração sexual de crianças e adolescentes. É esse o legado para o qual o Promundo pretende contribuir.

 

* Segundo, Marcio; Araújo Danielle; Nascimento, Marcos; Moura, Tatiana. (2012) “Homens Mulheres e a Exploração Sexual Comercial de Crianças e adolescentes em quatro cidades do Brasil: resultado de um estudo qualitativo e quantitativo, pesquisa realizada por Promundo: Instituto Promundo”


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