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Nota de Posicionamento sobre a Intervenção Federal Militar no Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 12 de março de 2018.


No dia 16 de fevereiro, o presidente Michel Temer assinou o decreto de intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, que teve continuidade aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado no dia 20.


Com a medida, o general do Exército Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste, tornou-se o interventor no estado ao longo dos próximos meses do ano de 2018. Na prática, Braga Netto agora tem a responsabilidade do comando da Secretaria de Segurança, das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e do sistema carcerário no estado do Rio de Janeiro.


Em entrevista coletiva no dia 27 de fevereiro, Braga Netto declarou que o Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil. O interventor, que participou da ação de ocupação da Maré pelo Exército entre 2014 e 2015, afirma que “Não existe planejamento de ações permanentes em comunidades”.


Com planejamento ou não, a primeira impressão é que permanece a incidência de ações nos territórios de periferia. Logo após a aprovação da intervenção, 3.200 militares participaram de uma operação na Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Durante a operação, integrantes das Forças Armadas tiraram fotografias de moradores com a identidade na mão e ficharam homens e mulheres, entre os quais idosas/os.


A “intervenção federal” – termo intencionalmente utilizado pelo governo e reverberado pela grande mídia – é uma intervenção militar e nos remete a um período histórico brasileiro marcado pelo cerceamento da liberdade de ir e vir, bem como pela tortura, incluindo violência sexual e baseada em gênero e raça.


Infelizmente, para uma parcela da população, essa mesma que ocupa os espaços de periferia, a lógica da ditadura militar nunca deixou de existir. Nos últimos quatro anos, comunidades do Rio de Janeiro vivenciaram uma série de operações com uso de militares das Forças Armadas. Entre 2014 e 2015, militares ocuparam o Complexo da Maré a um custo que pode ter chegado a 600 milhões de reais. Na Rocinha, no segundo semestre do último ano, foram gastos 10 milhões de reais com o envio de militares. E terminamos o ano de 2017 com um aumento na taxa de homicídios para 40 mortes a cada 100.000 habitantes.


O Promundo é veementemente contra a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Consideramos que o argumento da “guerra às drogas” além de populista abre espaço para ações punitivas e políticas coercitivas que têm se mostrado ferramentas eficientes apenas para a violação dos direitos humanos, em especial das populações em maior situação de vulnerabilidade, como moradores de periferias, negras/os, mulheres e pessoas LGBTs.


Para além dos impactos imediatos dessas ações e políticas, há que se pensar em seu legado. A militarização é um aspecto marcante da sociedade machista e patriarcal e seu impacto na construção de masculinidades tóxicas – e consequentemente, nas relações entre as violências pública e privada – perpetua a transmissão intergeracional de violência.


É possível e urgente pensar e implementar políticas para a segurança pública que se apoiem em abordagens não violentas, respeitem os direitos humanos e que sejam sustentáveis a longo prazo. Afirmamos isso com base em evidências da pesquisa “Isso aqui não é vida pra você”:  Masculinidades e não Violência no Rio de Janeiro, Brasil, realizada por Promundo justamente no período de megaeventos e de presença das Forças Armadas no estado. Ouvindo aproximadamente 1.200 homens e mulheres moradores de periferias, profissionais de segurança pública, ex-traficantes e seus familiares, bem como ativistas e pesquisadores no tema, o estudo concluiu que os indicadores de violência urbana serão reduzidos quando as medidas de bem-estar juvenil, oportunidades, igualdade social e de renda melhorarem.


É necessário dar prioridade a programas destinados à prevenção da violência e à transformação de normas de gênero em torno das masculinidades com abordagens que reconheçam a interseção com idade, raça, identidade de gênero e orientação afetivo-sexual. E garantir a integração desses programas às instituições educacionais e de saúde, organizações que trabalham com mulheres e adolescentes, empresas, entre outros, garantindo que esses esforços sejam correspondidos com alternativas e oportunidades viáveis para meninos e meninas.

Também é prioritário dar resposta à violência policial, através de mecanismos de promoção da transparência e notificação/denúncia, bem como empreender esforços para reformar as forças policiais para garantir um distanciamento das táticas militarizadas que favorecem o uso excessivo da força, a corrupção, a tortura e a falta de investigações periódicas.


A (in)segurança pública do estado do Rio de Janeiro é marcada pela permanência da falida experiência de abordagem militar ao longo de três décadas após a redemocratização do país. Uma situação crônica de violência e violação de direitos fomentada fundamentalmente por uma lógica de militarização dos espaços e dos indivíduos não pode ser solucionada com o uso da mesma lógica. O cotidiano de uma população não pode servir a um laboratório que ameaça a democracia às vésperas de um novo processo eleitoral em nosso País.


Referências

Taylor, A.Y., Moura, T., Scabio, J.L, Borde, E., Afonso, J.S., e Barker, G. Isso aqui não é vida para você: masculinidades e não violência no Rio de Janeiro, Brasil. Resultados do Estudo Internacional sobre Homens e Igualdade de Gênero (IMAGES) com foco na violência urbana. Washington, DC e Rio de Janeiro, Brasil: Promundo, 2016. Disponível em: https://promundo.org.br/recursos/isso-aqui-nao-e-vida-pra-voce-masculinidades-e-nao-violencia-no-rio-de-janeiro-brasil/


Rangel, S., Verpa, D. Militares do Exército tiram foto e ‘ficham’ morador de favela no Rio. Rio de Janeiro, Brasil: Folha de S. Paulo 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/moradores-deixam-comunidades-apos-serem-fotografados-em-acao-do-exercito.shtml


O Globo. Militares ‘ficham’ moradores durante operação em favelas da Zona Oeste: 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/militares-ficham-moradores-durante-operacao-em-favelas-da-zona-oeste-22426554


Revista Fórum. Reflexos da intervenção: Exército “ficha” moradores de favela e impede cobertura da imprensa. Rio de Janeiro, Brasil: 2018. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/reflexos-da-intervencao-exercito-ficha-moradores-de-favela-e-impede-cobertura-da-imprensa/


Betim, F. A história das operações e planos de segurança no Rio: três décadas de fracassos. Rio de Janeiro, Brasil: El País 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/19/politica/1519058632_353673.html


Betim, F. A violência que não cessou durante os Jogos Olímpicos do Rio. Rio de Janeiro, Brasil: El País 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/20/politica/1471690574_365456.html


Charleaux, J.P. Intervenção federal no Rio: as justificativas e as contestações. Rio de Janeiro, Brasil: Nexo 2018. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/02/16/Interven%C3%A7%C3%A3o-federal-no-Rio-as-justificativas-e-as-contesta%C3%A7%C3%B5es


Moura, T. A não violência em espaços urbanos é possível – e urgente. Rio de Janeiro, Brasil: Revista Fórum 2016. Disponível em:https://www.revistaforum.com.br/a-nao-violencia-em-espacos-urbanos-e-possivel-e-urgente/

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