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m julho de 2016, a ONG libanesa ABAAD-Centro de Recursos para a Equidade de Gênero (link em inglês) e o Promundo lançaram o Programa Ra em Beirute com o apoio do primeiro Prêmio Womanity, da Fundação Womanity (link em inglês). Adaptado do nosso Programa H, o Programa Ra estimula homens e meninos a desafiarem estereótipos baseados em gênero, questionarem ideias tradicionais sobre masculinidade e contribuírem para acabar com todas as formas de violência baseada em gênero no Líbano.
Estephan “Tino” Bechara é um jovem que trabalha com a Cruz Vermelha no Líbano como Treinador de Juventude e Saúde. Participou da primeira oficina de validação do Programa Ra com outros jovens. Na entrevista a seguir, ele fala com Promundo sobre suas próprias experiências de ser homem, os desafios que homens e meninos enfrentam em Beirute e o que espera do Programa Ra.
A entrevista de Tino é a terceira de uma série de três entrevistas em profundidade que o Promundo está publicando este mês com os campeões do Programa Ra no Líbano. A primeira entrevista da série, com Tala Noweisser, está disponível aqui e a segunda entrevista da série, com Hussein Safwan, está disponível aqui.
Quais desafios homens e meninos enfrentam em Beirute?
O sistema patriarcal em que vivemos baseia-se em linhas sectárias [tão fortes] que podem até mesmo impedir que as pessoas entrem em relacionamentos românticos umas com as outras. Os homens no poder nos fazem concentrar em nossas diferenças – como gênero, religião, etnia ou orientação sexual – em vez de em nossas semelhanças.
Outro grande desafio é não ser ouvido, o que tira a iniciativa de fazer qualquer coisa. O poder está com os partidos políticos. Já faz quase dois anos que estamos vivendo em lixo. Isso é justo? O país está sem presidente há mais de dois anos, mas quando se trata de mudar o preço do gás [uma decisão que não beneficia a comunidade], isso é decidido da noite para o dia.
Isso faz você se sentir irritado, furioso, e desesperado por ajuda. Isso não é justo. Algumas pessoas vão para áreas perigosas da comunidade ou passam a usar drogas, enquanto outras apenas ficam quietas e vão com o fluxo. Outras vão embora, se puderem.
Meu pai era gerente de relações públicas de uma empresa internacional no Oriente Médio, mas recentemente ficou muito doente. Agora ele não pode trabalhar mais. Então, como jovem, eu estou trabalhando muito para dar apoio à minha mãe, mas o que eu realmente quero fazer é rádio, cinema e fotografia. E eu me sinto preso. Ao mesmo tempo, você vê políticos e outros homens ricos que jogam dinheiro fora para comprar carros e propriedades. Existe uma enorme desigualdade na vida em geral.
Mas, apesar de tudo isso, estou feliz porque tenho minha família. Minha família costumava ser rica e agora somos pobres. Mas, apesar de tudo, nós continuamos rindo, e é isso que eu amo na minha família. Diante de todos estes problemas na vida, tudo que você precisa é uma família e alguém com quem você pode contar. Portanto, precisamos tentar fazer com que todos sintam que têm alguém com quem contar.
Como você se envolveu com o Programa Ra?
ABAAD solicitou à Cruz Vermelha que disponibilizasse duas pessoas para participar da oficina de validação do Programa Ra com jovens. [Nesta oficina, ABAAD testou sessões selecionadas do Programa H com jovens para ver como elas deviam ser adaptadas]. Na oficina de validação, Anthony Keedi, da ABAAD, disse que viu potencial em mim e queria que eu aprendesse a implementar o Programa Ra.
Como você se sentiu, como um homem jovem, participando do Programa Ra?
Eu senti como se houvesse um novo caminho, uma nova maneira de encontrar progresso. Eu tenho a Cruz Vermelha, a minha arte e agora este trabalho com o Programa Ra para ajudar os homens a aceitarem os outros e abrirem suas mentes.
A melhor coisa foi ver como os outros jovens vivenciaram as sessões. Um dos meus momentos favoritos da oficina de validação foi a sessão sobre a raiva. Eu já tinha sido diagnosticado com transtorno bipolar, então eu estava compartilhando com outros jovens minhas experiências com questões de raiva e sobre o transtorno. Eu expliquei como a raiva pode ser uma emoção difícil de controlar e como é frustrante. O grupo foi tão amoroso, como uma família, e isso foi incrível.
O que você espera que o Programa Ra alcance?
Espero que o programa Ra espalhe a mensagem e que as pessoas saibam que estamos todos juntos nisto, sob um mesmo teto. Não somos apenas cristãos, muçulmanos etc – somos humanos. Nossa casa é a Terra. Quero que nos aceitemos. É isso aí. Eu vejo meus amigos sofrendo bullying por serem gays, eu mesmo por ser “mais moderno” e muito “fora dos padrões” e meus outros amigos por serem negros.
Eu sei que é difícil e vai demorar muito tempo para conseguirmos, mas eu sei que, no fundo, podemos alcançar igualdade, nos livrarmos do nosso ego, do nosso sexismo e racismo. Não estou pedindo que as pessoas deixem de lado todo o nosso desejo de tradições, mas que se abram um pouco e assim alcançaremos nossos objetivos.
Nota da Editora: Esta entrevista foi editada para adequação de tamanho e compreensão.
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