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Entrevista com Linda Cerdeira




Linda Cerdeira é Coordenadora de Projetos no Instituto Promundo desde 2014 e atua nos projetos relacionados a paternidade e cuidado e prevenção de violência. Atualmente, Linda coordena Jovens pelo Fim da Violência, um novo projeto que será implementado em seis escolas públicas do Rio de Janeiro este ano. Baseado em Living Peace, uma abordagem terapêutica utilizada em contextos de pós-conflito, esta iniciativa busca ajudar meninos e meninas adolescentes a construírem relacionamentos saudáveis com base na equidade e na não violência. Nessa entrevista, Linda fala sobre o processo de adaptação da metodologia, incluindo os desafios apresentados pelo atual contexto político do Brasil. O projeto também está sendo implementado na República Democrática do Congo, onde recebe o nome Youth Living Peace (Juventude Vivendo a Paz, em Inglês).


1) Você pode falar um pouco sobre o projeto Jovens pelo Fim da Violência? Como vocês adaptaram a metodologia Living Peace para trabalhar com jovens no Brasil?


No Brasil, o projeto Youth Living Peace ganhou o nome Jovens pelo Fim da Violência e foi desenvolvido a partir de várias metodologias reconhecidas: Programa H,  Programa M, e Living Peace, do Promundo e o programa Expect Respect (link em Inglês), utilizado em escolas públicas no estado do Texas, nos Estados Unidos. Todas têm como um de seus objetivos a transformação de comportamentos e atitudes para promover não violência, saúde e equidade de gênero.


O que é muito interessante na metodologia Living Peace, em particular, é que ela aborda também a prevenção secundária de violência (não focando apenas em prevenir violência futura, mas também na recuperação a longo prazo). Através de sessões de grupos terapêuticos, as/os participantes são ajudadas/os a desenvolver estratégias de enfrentamento dos seus traumas. Sabemos que o contexto escolar enfrenta grandes dificuldades em dar resposta e apoio às/aos estudantes e que suas questões pessoais e familiares muitas vezes podem se traduzir de forma violenta nas escolas. Por isso, acreditamos que esse trabalho em grupo, por meio de exercícios focados em empatia, escuta e compartilhamento, pode ajudar essas/es estudantes a desenvolverem novas trajetórias mais positivas para as suas vidas, contribuindo para o próprio desempenho escolar.


2) Que sucessos e desafios vocês tiveram no projeto até agora?


É sempre um desafio trabalhar questões relacionadas a violência de gênero, sexualidade, identidades, diversidades… Mesmo quando estamos dialogando com pessoas que já refletem sobre essas questões, quando as aprofundamos, surgem desconfortos e novos questionamentos. Os preconceitos são de tal forma estruturais que reconhece-los implica muitas vezes colocar em causa nossas próprias vivências e isso pode ser doloroso, violento e desconfortável. Acabamos por nos reconhecer enquanto vítimas e/ou agressores em diversas situações das nossas vidas e não sabemos como lidar com isso. Esse é o maior desafio que enfrentamos quando nos propomos a desenvolver uma metodologia destas:

ajudar as pessoas a refletir sem ferir; inspirar transformação sem destruir.


Naturalmente que o momento político de retrocessos no acesso e garantia de direitos também tem impactado muito o projeto. Quando abordamos as escolas nem sempre é fácil a negociação e aceitação para discutir estes temas, seja por receio de represálias das próprias famílias, seja por convicção religiosa, seja por temerem que isso ‘desestabilize’ o ambiente escolar. Exige muito diálogo e compreensão.


3) Que papel um projeto como Jovens pelo Fim da Violência tem diante dos atuais esforços políticos para proibir a discussão sobre gênero nas escolas?


Na minha opinião é um papel de resistência. Quanto mais assistimos aos retrocessos conservadores nas políticas do país, à influência religiosa na determinação dessas políticas, mais urgente se torna agir.


E a verdade é que encontramos muitas pessoas, seja nas secretarias de educação, seja nas escolas, que estão completamente comprometidas com esse lugar de luta, principalmente por saberem melhor do que ninguém o lugar fundamental que a escola tem no desenvolvimento de crianças e jovens. Felizmente, por enquanto, a legislação do país ainda sustenta e legitima este trabalho de prevenção de violência baseada em gênero. Importa resistir e insistir para que assim continue sendo.


4) No último ano, estudantes secundaristas em várias partes do Brasil ocuparam suas escolas para exigir transformações no ensino e na estrutura da educação. Levando em conta o protagonismo juvenil, quais estratégias você acredita que devem ser valorizadas nessa adaptação de Living Peace?


Neste projeto valorizamos muito o protagonismo juvenil e, acima de tudo, o associativismo. Sabemos que a ação em grupo fortalece, e por isso valorizamos muito a importância de desenvolver a empatia com os que nos rodeiam, o compartilhamento e a capacidade de nos articularmos em rede. Se pensarmos na juventude – que muitas vezes é desqualificada pela sociedade para tomar decisões, dar sua opinião ou participar das políticas públicas que afetam diretamente suas vidas – acreditamos que é fundamental que ela seja incentivada a se organizar, discutir e lutar por seus direitos.

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