James juntou-se ao Stop It Now no ínicio de 2005 e é responsável pelo desenvolvimento institucional e marketing, além de ser responsável pela comunicação online, planejamento e avaliação da instituição.
1) Conte-nos um pouco mais sobre o trabalho da Stop It Now!
A organização Stop It Now! ® pretende prevenir o abuso sexual infantil através da mobilização de adultos, famílias e comunidades e a tomada de ações que visem proteger as crianças, especialmente antes de o abuso acontecer. Fornecemos apoio, informação e recursos para que indivíduos e famílias possam manter as crianças seguras e criar comunidades mais saudáveis. Desde 1992, temos identificado, melhorado e partilhado formas eficazes, em nível individual e comunitário, de prevenção de abuso sexual infantil (ASI).Stop It Now! foi fundada por uma sobrevivente de abuso sexual infantil, Fran Henry, que aprendeu pessoalmente que as abordagens comuns para manter as crianças seguras não davam resposta às relações complexas existentes em torno da maioria das situações de abuso. Naquela altura, o abuso sexual infantil não era visto como um problema de saúde prevenível e as iniciativas de prevenção colocavam o ônus da proteção das crianças nelas próprias (as crianças). Fran Henry pretendia que o abuso sexual infantil fosse reconhecido como um problema de saúde prevenível e que a responsabilidade de prevenir e combater o ASI bem como de criar programas eficazes assentes nestes princípios fosse atribuída aos adultos.
Esta visão de Henry levou-a a criar um fórum no qual sobreviventes de abuso sexual infantil, agressores sexuais em recuperação e famílias de vitimas e agressores pudessem denunciar, falar da sua experiência e trabalhar em conjunto para romper com os ciclos de abuso. Esta estratégia inovadora inspirou um programa piloto amplo, assente na comunidade, que foi posto em marcha no Vermont e que teve êxito ao conseguir que potenciais agressores procurassem ajuda e lidassem com as suas responsabilidades.
Este modelo de prevenção assente em várias dimensões e no marketing social foi replicado com sucesso por várias iniciativas afiliadas no Minnesota, Geórgia, Reino Unido e Irlanda, entre outros. Now! prestou assistência aos programas locais na adaptação dos materiais educacionais, formação, linha de apoio, marketing social e advocacia na mídia.
Através de programas e trabalho direto com a agência de saúde pública dos EUA, o Centro para o Controle de Doenças e Prevenção (CDC, na sigla inglesa), a visão de Fran foi concretizada. O CDC reconheceu o abuso sexual infantil como uma questão de saúde pública prevenível e colocou-o no topo das três questões prioritárias no que diz respeito aos maus tratos infantis. As ações da Stop It Now! demonstraram que:
1. Os adultos se mobilizam para a prevenção do abuso sexual infantil quando têm acesso a informação útil e exata, ferramentas práticas, apoio e orientação.
2. As comunidades se mobilizam para a prevenção do abuso sexual infantil – incluindo esforços que procuram dar resposta às complexidades dos abusos no lar.Em resultado disto, o conceito de “responsabilidade adulta” na prevenção do abuso sexual infantil é agora reconhecido e aceito nesta área e as abordagens de prevenção focadas nos adultos e nas comunidades são atualmente reconhecidas como práticas promissoras. Now! criou a primeira linha de apoio nacional, confidencial e gratuita especializada na prevenção do abuso sexual infantil. Professionais capacitados fornecem informação e orientação a adultos que têm questões e dúvidas sobre abuso sexual infantil, incluindo questões sobre os seus próprios comportamentos.
Stop It Now! mantém um compromisso único e firme para com o engajamento de todos os adultos afetados pelo abuso sexual infantil. Os programas e mensagens da organização baseiam-se em entrevistas e grupos focais com sobreviventes de abuso sexual infantil, adultos agressores em recuperação, parentes e profissionais que investigam e trabalham com vitimas e agressores, bem como nas conversas mantidas diariamente através da linha de apoio.
Stop It Now! não acredita em soluções simplistas para o abuso sexual infantil, que permanece, apesar de ser um problema generalizado, um assunto tabu em muitos lugares. Em lugar disso, a abordagem da organização – as suas estratégias, mensagens, materiais e serviços – procura equilibrar os direitos das vítimas e das suas famílias com a responsabilização e apoio às pessoas que cometem os abusos – mais de 30% destes são também menores.
Os esforços da Stop It Now! são guiados por esta premissa: para prevenir verdadeiramente a vitimação de crianças, todos os adultos têm de aceitar a responsabilidade de reconhecer e confrontar comportamentos que levam ao abuso. Mais importante que isso, qualquer estratégia de prevenção de longo-prazo deve mudar as normas sociais, de forma a que o abuso sexual de crianças não seja mais tolerado e mecanismos de apoio, ajuda e responsabilização estejam disponíveis e acessíveis às vitimas e sobreviventes, aos agressores e às famílias de ambos.
Saiba mais sobre a Stop It Now! em StopItNow.orgPara mais informações sobre os programas, incluindo avaliações, visite: www.stopitnow.org/community-based-program-archives
2) Quais são os fatores de risco para a perpetração de abuso sexual?
Há um conjunto variado de fatores de risco que podem levar à perpetração de abusos sexuais. Estes incluem principalmente o fraco exercício da paternidade, o uso de formas cruéis de disciplinamento ou ter sofrido abuso sexual infantil.
Estes são os resultados do artigo acadêmico “Risk Factors for the Perpetration of Child Sexual Abuse: A Review and Meta-Analysis”, de 2008, que reuniu e analisou os resultados de vários estudos. O artigo foi iniciado Stop It Now! e completado em parceria com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC- Centro para o Controle de Doenças e Prevenção, em português) e publicado em 2008, na edição de Maio do journal Child Abuse and Neglect. (D. Whitaker et al. Risk Factorsi for the Perpetration of Child Sexual Abuse: A Review and Meta-Analysis. Child Abuse and Neglecti: The International Journal, 32 (5). Maio 2008, pp 529-548.)
O estudo também revela que os abusadores de crianças não são diferentes de outros agressores sexuais de adultos, exceto pela presença menor de comportamentos externalizadores. Isto sugere a presença de fatores de risco gerais que podem levar a comportamentos negativos de várias ordens, incluindo a perpetração de abuso sexual infantil. A experiência pessoal de abuso sexual e fatores familiares estão fortemente relacionados com a perpetração de abuso sexual infantil se compararmos com situações de abuso não sexual e não abuso.
Assim, as intervenções com pais e o apoio a crianças que foram sujeitas a abuso sexual são essenciais para interromper o desenvolvimento deste e de outro tipo de comportamentos negativos.
Outra pesquisa sublinhou como fatores de risco: o testemunho de violência conjugal, a presença de concepções que apoiem o abuso sexual, normas de masculinidade (uma vez que a maioria dos agressores é do sexo masculino), o interesse em sexo despersonalizado ou interesse sexual em crianças e a predisposição biológica. (Comissão Europeia, Factors at play in the perpetration of violence against women, violence against children and sexual orientation violence, 2010, ec.europa.eu/justice/funding/daphne3/multi-level_interactive_model/understanding_perpetration_start_uinix.html)
3) Porque é que existe um silêncio em torno desta questão?
Na sua maioria as crianças são abusadas por alguém conhecido. É muito perturbador imaginar que alguém conhecido possa ser violento sexualmente com uma criança. Por essa razão, quando não há provas do abuso, é mais fácil ignorar esses pensamentos ou pensar que se está a exagerar na preocupação. Geralmente os adultos também se preocupam com as conseqüências de qualquer tipo de ação, sobretudo se o motivo da preocupação é alguém ou envolve alguém do qual eles ou a família dependem em termos financeiros, emocionais ou sociais. Um dos pensamentos mais comuns dos pais é: “O meu filho/a teria me contado se tivesse sido abusado. Como não disse nada, não pode estar acontecendo.” Contudo, há várias razões plausíveis para a criança vítima de abuso decidir não contar a ninguém.
Por essa razão, as pessoas geralmente só decidem agir depois do abuso ter lugar. Muitas pessoas já passaram pela descoberta de que alguém próximo tinha abusado uma criança. Pensando em retrospectiva, elas perguntam-se se ignoraram os sinais. Todavia, quando algo é tão difícil de conceber como as situações de abuso, é humano tentar encontrar formas de negar o sucedido.
Mal entendidos comuns sobre o abuso sexual podem igualmente contribuir para a negação. E existem também normas sociais e práticas culturais que contribuem para compactuar ou até institucionalizar o abuso sexual infantil num contexto específico. Contudo, quando os adultos seguem os seus instintos e intervêm, podem prevenir o abuso sexual.
4) O que é que as entrevistas com crianças vítimas de abuso sexual e com familiares revelaram sobre o modo como melhor lidar com estas situações?A nossa pesquisa realizada no Vermont entre 1995-2000 com familiares de vítimas deu origem às seguintes recomendações:
• Necessidade de quebrar o silêncio
• Necessidade de apoio para por fim à vergonha e isolamento
• Necessidade de informação específica
• Transmissão de mensagens de esperançaO abuso sexual desenvolve-se em segredo e intervenções como a linha de apoio da Stop It Now! que presta apoio de forma confidencial aos parentes que levam a sério as suas preocupações e decidem agir para proteger as crianças. Pesquisas com membros das famílias das vítimas demonstraram estes precisam de apoio, informação credível e orientação para poderem tomar a decisão de intervir no sentido de proteger as crianças. Estes resultados são semelhantes aos da nossa pesquisa com pessoas que abusaram de crianças e respectivos familiares: é importante mostrar esperança de que todos os envolvidos podem encontrar ajuda e que as crianças serão capazes de recuperar do trauma.
5) Quais são as formas de prevenção da exploração e abuso sexual infantil?As estratégias de prevenção são muitas e dependem da escala, contexto e audiência. Nenhuma estratégia consegue ser exitosa por si só. No nosso site, podem encontrar estratégias e ferramentas para a prevenção do abuso sexual infantil que estão direcionadas a diferentes indivíduos, bem como a famílias e organizações. Ao nível da sociedade, são necessárias outros tipos de estratégias, que visem mudar as normas, encorajar o debate e a reflexão e facilitar um meio que permita e apoie os indivíduos, famílias, órgãos estatais e comunidades a agir.
O modelo ecológico de prevenção, disponível no site da CDC e o modelo semelhante desenvolvido pelo Prevention Institute, designado por o Espectro da Prevenção dão pistas neste sentido. Ambos sublinham que o problema deve ser olhado através de vários níveis e dimensões, e que as estratégias de prevenção devem refletir esta multiplicidade.
6) Como relaciona o trabalho com homens e meninos e a transformação de masculinidades com o trabalho de prevenção de abuso sexual infantil?Estratégias efetivas de envolvimento de meninos, adolescentes e homens em masculinidades não estereotipadas, na igualdade de gênero, no cuidado e na paternidade são cruciais para a prevenção do abuso sexual infantil. Tal como acontece com as situações de violência sexual, existe uma assimetria de gênero clara na incidência, prevalência e causas de abuso sexual infantil. Sabemos que a maioria dos perpetradores de abuso sexual infantil são do sexo masculino, enquanto que as vitimas são predominantemente do sexo feminino. Contudo, é importante recordar que o abuso sexual de meninos e adolescentes homens está sub-reconhecido e que existem indícios crescentes de que é mais comum do que se pensava. Além disso, pelo menos nos EUA, entre 30 e 50% dos abusos são cometidos por outros menores com problemas de comportamento sexual.
Vemos esta questão de uma perspectiva feminista e de direitos humanos: o abuso sexual infantil é um exemplo claro de abuso de poder e de negação dos direitos das crianças. É um abuso de poder da parte dos adultos, que tem um componente de ideologia de gênero clara (masculinidade estereotipada) e que é perpetuada por normas sociais sobre gênero, sexualidade e infância. Desafiar e mudar normas de gênero estereotipadas é crucial à longo-prazo – e trabalhar com homens e meninos é uma parte importante deste caminho.
Contudo, a Stop It Now! nunca enquadrou as suas mensagens através de filtros de gênero. Escolhemos propositadamente o enfoque da abordagem em saúde pública e demos início a campanhas de sensibilização de adultos preocupados com os seus próprios pensamentos e comportamentos sexuais face às crianças. Chegar a um público na sua maioria masculino levou-nos a colocar a ênfase na mudança de comportamentos e na responsabilização, bem como na disponibilização de tratamento e apoio a por termo ao abuso. A nossa pesquisa junto destes indivíduos e das suas famílias confirmou que estes têm em comum com as pessoas diretamente afetadas pelo abuso sexual algumas necessidades específicas – saber que há apoio disponível e que o comportamento sexualmente abusivo é prevenível e pode ser tratado. Estamos comprometidos com a crença de que todas as pessoas têm um papel a desempenhar na prevenção e agimos segundo o princípio de que todo e qualquer tipo de rótulos e estereótipos representa barreira significativa para a prevenção deste tipo de violência. Assim, reconhecemos e procuramos dar respostas a homens e mulheres, vítimas e perpetradores, protetores e protegidos.
Esperamos que o nosso trabalho com o Promundo e as discussões com outros grupos que trabalham para engajar os homens e meninos na prevenção de violência de gênero promovam relações de trabalho que reúnam as melhores teorias, instrumentos e estratégias para prevenir o abuso sexual infantil. Isto aplica-se quer aos benefícios da prevenção primária no que diz respeito ao aumento do envolvimento dos homens na paternidade e na socialização de meninos em masculinidades não estereotipadas, quer à prevenção secundária, que se dirige a homens em risco de violência sexual e de exploração de crianças. Este trabalho é coerente com – e uma extensão do – nossa ênfase na prevenção primária com adultos como forma de reduzir os riscos e a vulnerabilidade à perpetração deste tipo de violência bem como de incluir os agressores nos mecanismos de prevenção.
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