Charles Gavin, ex-baterista do Titãs e atual apresentador e diretor do Som do Vinil, programa do Canal Brasil, participou da campanha “Você é meu pai!”, onde posou com as filhas para a exposição de fotografia e gravou um vídeo de 30 minutos com mensagens de estímulo à paternidade. Para ele, a paternidade foi tão importante, que se tornou fator decisivo na sua opção em deixar o grupo e buscar novos rumos para sua carreira, que permitisse participar mais ativamente do desenvolvimento das filhas.
Nesta entrevista, ele nos conta essa e outras histórias sobre sua experiência como pai.
1) Conte um pouco sobre sua experiência com a paternidade.
Optei por ser pai mais tarde, por conta da minha profissão, que passava muito tempo na estrada fazendo shows. Sempre tive muito claro que no dia que tivesse filhos, iria querer ficar perto deles. Não queria botar filho no mundo só para observar de longe. E quando a Dora nasceu, em 2002, eu estava no Titãs e a paternidade mudou a forma de eu ver as coisas, começou uma série de mudanças na minha vida. Ao longo dos anos, a paternidade foi se contrapondo com a coisa da estrada. Quando veio a Dora, essa situação ficou em cheque e, em 2005, quando veio a Sofia esse quadro ficou ainda mais forte.
Acho que me tornei uma pessoa muito diferente depois que elas nasceram, pela necessidade e pelo prazer de acompanhar o desenvolvimento delas, de participar da educação, de não delegar só à mãe, que é o que acontece na maioria das famílias: a mãe é responsável por quase tudo o que acontece na vida dos filhos, enquanto os pais estão trabalhando. Hoje o quadro social mudou um pouco, porque as mulheres precisam trabalhar. Agora, quem está ocupando este papel, são avós, tios, babás. Eu acho preocupante.
Então, ano após ano, a paternidade foi se tornando tão importante pra mim, tão fundamental, que eu preferi me desligar de um projeto que ajudei a construir, o Titãs, depois de 25 anos, uma das decisões mais difíceis da minha vida, porque optei por ficar mais perto da família. Não é que eu não queira ir para estrada, que eu não queira tocar. Não é isso. Eu precisava de um equilíbrio pra mim e para a família. Infelizmente, em 2010 esse quadro foi inevitável, porque a banda gosta desse jeito de trabalhar, sempre gostou de muitos shows, de ficar na estrada, eu também gosto, mas acho que é pessoal, cada família está em um momento diferente, todos estão com filhos praticamente criados, já passaram por isso que passei, já devem ter tido esse questionamento que eu tive mais velho.
Eu, a princípio, não me via como pai, mas minha relação com minha mulher, a Mariana, estava tão sólida, que ela começou a falar: “pô, estou envelhecendo, se não tiver filhos agora como é que vai ser?”. E fui gostando da ideia, concordando, achando que aquilo ia ser uma coisa legal e ela engravidou em 2002.
2) O que mudou com a chegada da primeira filha?
Tem aspectos importantes da chegada da Dora, por exemplo, por ser a primeira filha, eu acompanhei o pré-natal, fomos em todas as ultrassonografias, fotografei a barriga dela várias vezes, fotografei o parto. Achei que o mínimo que eu podia fazer era estar do lado dela na hora do parto. A Mariana fez um álbum incrível para a Dora de todo esse processo da gravidez. A Dora veio, e depois de um tempo a gente achou que devia ter mais um. E aí veio a Sofia, que é completamente diferente da Dora e o parto foi completamente diferente. A Dora foi difícil sair da barriga da mãe, teve um momento de tensão porque a Dora estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Já o da Sofia foi tão rápido, quase não deu tempo para fotografar. Quando eu vi, já tinha acontecido. Isso é uma coisa que eu discuto na análise, o fato de serem duas meninas, eu venho de uma família que sou só eu e meu irmão, meu pai e minha mãe, é uma família muito masculina, só minha mãe mulher. O fato de agora ter invertido isso, foi muito bom para mim, como pai e ser humano. Porque imprimiu uma marca mais feminina, mais sensível. É uma família essencialmente feminina, as mulheres reinam todo o tempo.
3) Fale mais da mudança interna.
Na verdade, essa mudança aconteceu naturalmente, você só sabe quando está vivendo. Quando a Mariana ficou grávida e eu fiquei sabendo que ia ser pai, nasceu uma vontade em mim de desacelerar, de ficar mais perto da família e tirar mais tempo da estrada. Esse processo foi ficando cada vez mais importante, que entrou em conflito com a profissão. Músico só ganha dinheiro tocando, não tem outro jeito de sobreviver. Então, eu tive até que reinventar minha vida profissional, acabei por me tornar apresentador, pesquisador e foi acontecendo naturalmente, não planejei nada disso. Quando a Dora nasceu eu senti cada vez menos vontade de viajar – e eu adoro viajar, sempre vivi na estrada – mais vontade de ficar em casa, de participar, de acompanhar o crescimento dela. Acho que com ela consegui em parte, mas não tudo o que eu gostaria, com a Sofia eu até consegui mais. Até me perguntaram na época se eu estava numa viagem “John Lennon”, quando eu levei essa questão para a banda. E eles entenderam, eu falei que fiz a opção por ter filhos mais velhos, quando a Dora nasceu eu tinha 42 anos. E a opção foi exatamente essa: quando elas vierem ao mundo, eu queria estar preparado, estar presente para acompanhar o desenvolvimento delas.
4) Que tipo de pai você é?
Tento ser uma mistura de pai e amigo. Mas acredito em autoridade, hierarquia. Mas somos absolutamente contra a violência, contra abuso de poder. Aqui em casa, temos uma educação muito liberal, muito discutida na palavra, a gente nunca levantou a mão e nunca vai levantar. Aqui é zero truculência. Desde pequenas, elas estão acostumadas a tudo ser discutido democraticamente.
A gente é bem atento à alimentação delas, evitamos uma série de alimentos que achamos que não vão contribuir em nada. Embora, tudo o que está lá fora empurre elas para esse consumo de doces, de junk food. A gente tenta construir uma consciência nutricional nelas. Já sabem o que faz bem, frutas, verduras. Outra coisa que a gente fica muito em cima é a restrição ao videogame, televisão e computador. Não que a gente proíba, mas a gente restringe bastante. Elas veem muito menos tevê, entram menos no computador e jogam menos videogame do que quase todas as crianças que a gente conhece. A Mariana estimula muito a desenhar, contar histórias, dançar, brincar de teatro. A gente procura estimular outras atividades. Acho que a gente já criou isso nelas.
5) O que vocês fazem juntos?
A gente criou um vínculo desde pequenas que é contar histórias na hora de dormir. Isso é fundamental, elas não abrem mão. Todo dia tem que ler história. Às vezes elas escolhem as histórias, as vezes eu escolho e, às vezes, elas pedem para contar histórias da minha infância, é o que elas mais gostam. Então, eu tenho que lembrar histórias da minha infância. Todo dia tem que ter esse momento. Esse processo dura meia-hora pelo menos, e às vezes, a história vira uma brincadeira.
A gente também assiste muito filme, eu toco muita música para elas. Tem música o tempo todo tocando aqui em casa, faço questão que elas escutem todos os gêneros, isso é uma coisa importante na formação delas. Elas conhecem desde Adele até Paulinho da Viola, Raul Seixas. Sempre tem alguma coisa tocando, blues, rock, jazz, eu explico os ritmos pra elas. Elas já fazem aula de música e a gente reforça a educação artística delas, além da escola. Vai chegar o momento em que a gente vai parar para ouvir música.
6) Como vê a divisão das tarefas domésticas?
Isso é um dos assuntos em pauta aqui em casa. Então eu acredito sim que os homens tem que tomar cada vez mais consciência que a casa é dos dois. Todas as tarefas, desde lavar louça, até limpar a casa, não deixar a casa virar uma bagunça – que com criança é praticamente impossível – pagar conta, a chateação do dia-dia, tem que procurar ajudar na medida do possível. Tenho plena consciência que isso é fundamental para a saúde do casal. Se sobrecarregar muito mais de um lado ou pro outro, pode ser que dê problema. Hoje em dia, acredito que não tem trabalho de homem e trabalho de mulher, tem trabalho dos dois.
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