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Desnaturalizando a exploração: Uma conversa necessária sobre direitos de crianças e adolescentes

Por Edmund Ruge


Foto por: Victoria Page


Há 45 anos atrás, no dia 18 de maio, a menina de 8 anos Araceli Cabrera Crespo desapareceu quando voltava da escola em Vitória, Espírito Santo. A polícia encontrou seu corpo seis dias depois, descobrindo que ela foi vítima de sequestro, estupro e homicídio. Mais tarde, após cinco anos de processo judiciário prolongado e irregular, os homens que a violentaram foram absolvidos.


Em 2000, o Congresso Nacional declarou o dia 18 de Maio como “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes” em, memória de Araceli. Em 2018, completaram-se 18 anos de mobilização no mês de maio em torno do enfrentamento a essas práticas de violação dos direitos de crianças e adolescentes. Contudo, até hoje, a violenta morte de Araceli permanece impune.


O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes (ou ESCA), continuam sendo problemas reais nos dias atuais. Nos casos de ESCA, embora as denúncias e os relatos sejam dificultados pelas várias e ambíguas definições, a prática  pode ser definida como o engajamento de uma pessoa em posição de poder em uma forma de coerção sexual de uma criança ou adolescente (pessoas com idade abaixo de 18 anos), com ou sem qualquer tipo de troca. As formas de ESCA podem incluir, entre outras práticas: tráfico de pessoas para fins sexuais, turismo sexual, pornografia infantil, casamento infantil, e sexo transacional.


Estima-se que a ESCA seja a segunda forma mais comum de violência cometida contra crianças entre 10 e 14 anos no Brasil.  Entre 2012 e 2016, ocorreram pelo menos 175 mil casos de ESCA no país, representando quatro casos por hora.


Dados ainda mais preocupantes apontam que é possível que esse fenômeno seja perpetuado por crenças que naturalizam as relações entre homens mais velhos e meninas, o que acaba dificultando ainda mais a identificação dessas práticas enquanto  relações de violência e exploração. Pesquisa realizada por Promundo em 2009 aponta que existe uma tendência de naturalização das relações de ESCA e culpabilização das vítimas em muitos casos. 41% dos homens entrevistados no Rio de Janeiro e 46% das mulheres consideraram o ato como “prostituição adolescente” e não como exploração sexual. 48% dos homens relataram que se relacionar com meninas entre 12 e 17 anos fez com que eles se sentissem mais jovens.


É neste contexto que o Promundo procurou realizar uma iniciativa de pesquisa mais aprofundada sobre a relação entre ESCA no Brasil e as chamadas normas sociais. Entende-se que as normas sociais, ou as regras informais de comportamento, ditam o que é aceitável e o que é inaceitável num contexto cultural específico, cumprindo um papel fundamental em perpetuar práticas, a exemplo da mutilação genital feminina e do casamento infantil. As pessoas que submetem as próprias filhas a tais atos podem discordar da prática em si, por exemplo, mas são tão influenciadas pelas expectativas de como se comporta a comunidade da qual fazem parte, bem como o que essa comunidade espera delas, que acabam se conformando e seguindo essas normas.


Infelizmente, existe pouca literatura sobre a relação entre normas sociais e ESCA no mundo. No Brasil, é praticamente inexistente. O estudo “Pronta para quê?: Um Estudo Qualitativo sobre a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em Comunidades Urbanas do Rio de Janeiro”, busca preencher uma lacuna importante na pesquisa sobre ESCA no Brasil. Realizado no âmbito do projeto LINEA (Learning Initiative on Norms, Exploitation and Abuse, em Inglês, ou Iniciativa de Aprendizagem sobre Normas, Exploração e Abuso em Português) da London School of Hygiene and Tropical Medicine, o estudo foi realizado em três comunidades de baixa renda na cidade de Rio de Janeiro: Cidade de Deus, Complexo da Maré, e Rocinha.


Foram conduzidos grupos focais e entrevistas individuais com 130 participantes das três comunidades, com perguntas desenvolvidas especificamente para identificar a presença de dois tipos centrais de normas sociais: as normas descritivas, que giram em torno do que as pessoas de um determinado grupo acham que os outros fazem; e as normas injuntivas, a respeito do que as pessoas de um grupo acham que os outros aprovam e reprovam. Identificar a presença dessas normas sobre ESCA nessas comunidades pode ser essencial para o desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e enfrentamento à prática.

Os resultados preliminares do estudo confirmam os dados de pesquisas anteriores do Promundo, mostrando que, muitas vezes, meninas envolvidas em relações de ESCA são culpabilizadas e/ou são vistas como manipuladoras, e que o envolvimento de homens nessa prática é considerado normal, como uma forma de reforçar e afirmar sua masculinidade. Em muitos casos, situações que são nitidamente exploratórias – tipicamente aquelas que envolvem um tipo de troca – são consideradas normais pelos grupos entrevistados.


É através desses mecanismos culturais que a ESCA permanece como um problema sério para o Brasil até hoje. É exatamente esse tipo de naturalização da prática e culpabilização de vítimas que permite que o caso da menina Araceli Cabrera Crespo permaneça impune, após 45 anos.


Ainda que o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes seja um passo positivo, o governo brasileiro precisa realizar um esforço maior para enfrentar a questão. É necessário fomentar e conduzir pesquisas para dar base à criação e implementação de políticas públicas que fortaleçam o sistema de garantia dos direitos de crianças e adolescentes na abordagem e enfrentamento das normas tóxicas que naturalizam essa prática.


“Pronta para quê?: Um Estudo Qualitativo sobre a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em Comunidades Urbanas do Rio de Janeiro” tem lançamento previsto para o segundo semestre de 2018. O estudo qualitativo é o primeiro resultado da pesquisa LINEA, que agora está na fase de coleta de dados para o estudo quantitativo.


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