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Casos de violência contra mulheres no primeiro mês de 2014 nos fazem questionar que masculinidade é essa que forja homens violentos em nossa sociedade

Por Marina Motta – Pesquisadora Promundo-Brasil

Ao abrir o jornal no primeiro dia de 2014, os brasileiros se depararam com três notícias de extrema violência contra mulheres cometida por um marido e dois ex-namorados.


O tradicional réveillon de Copacabana, uma das festas mais bonitas e pacíficas do país foi marcado por um homem que por ciúmes tentou enforcar sua esposa. A polícia militar interveio, o homem pegou a arma de um dos policiais, realizou inúmeros disparos, feriu onze pessoas – incluindo uma criança de sete anos e um adolescente de quinze – e só parou quando foi baleado pela polícia. O tiroteio causou pânico nas famílias que estavam por perto. Os policiais relataram que ao tentar fazer o homem parar de agredir sua esposa ele argumentava enfurecido: “Eu não vou parar de bater porque ela é minha mulher”.


Em São Gonçalo, município vizinho ao Rio, ao voltar para casa após uma festa de ano-novo uma mulher de 24 anos foi brutalmente espancada e em seguida jogada do terraço de seu apartamento, o que resultou em morte por traumatismo craniano. Tudo indica que o autor do crime foi seu ex-noivo, que invadiu sua casa na madrugada do dia primeiro de Janeiro e ligou para os bombeiros avisando de sua morte. Três dias depois ele se entregou à polícia alegando inocência. O assassinato deixou órfã uma menina de dois anos de idade.


Na manhã do dia 3 de Janeiro, chegando para trabalhar em um shopping na Tijuca, uma mulher de 21 anos foi esfaqueada inúmeras vezes por seu ex-namorado. Ela ficou gravemente ferida e teve que ser internada às pressas. Dois dias depois o autor da violência se entregou à polícia confessando o crime e alegando em sua defesa que “usa medicação controlada” e que ficou descontrolado ao ser humilhado pela ex-namorada.


Ano após ano somos confrontados com estas histórias: sempre brutais, sempre chocantes. No melhor dos casos, a imprensa noticia, a polícia prende, o juiz condena, os pesquisadores registram em suas análises e estatísticas. Mas nada disso muda o contexto no qual a violência cometida pelo parceiro íntimo contra sua mulher está inserida, nada disso impede que estas tragédias continuem acontecendo de forma cotidiana.


Por mais que a entrada em vigor da Lei Maria da Penha em 2006 tenha sido um enorme avanço em termos legislativos, uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicada em Setembro de 2013, mostrou que a legislação ainda não reduziu de forma significativa o índice de homicídios de mulheres no Brasil.


Essa mesma pesquisa mostrou que a cada ano em média 5.600 mulheres são mortas por conflitos de gênero no país, ou seja, uma mulher é morta a cada uma hora e meia pelo simples fato de ser mulher. Um terço delas são assassinadas dentro de suas próprias casas e 40% desses assassinatos são cometidos por parceiros íntimos, como namorados, noivos e maridos.


Os mecanismos de proteção e denúncia são extremamente importantes, as leis e sua implementação rigorosa são essenciais, mas inúmeras pesquisas mostram que só vamos conseguir PREVENIR a violência contra as mulheres antes que ela aconteça e REDUZIR o número de casos que chegam ao extremo da violência letal quando o governo, a sociedade civil e o povo brasileiro em geral olharem com a atenção necessária para a forma como criamos e tratamos meninos e homens e o tipo de masculinidade que contribui para que haja tantos homens autores de violência contra mulheres.


Homens que, como no caso do réveillon de Copacabana, afirmam sem nenhum constrangimento que sentem-se no direito de bater nas suas esposas; homens que, como no caso de São Gonçalo, lidam com uma crise de ciúmes espancando até a morte suas companheiras; homens que, como no caso da Tijuca, ao sentirem-se humilhados por uma mulher, expressam sua raiva com violência, a facadas.


Temos todos que nos confrontar com o tipo de masculinidade que é historicamente dominante no nosso país e no mundo: uma masculinidade misógina, homofóbica e extremamente violenta. Enquanto os homens continuarem esperando que suas companheiras sejam submissas e obedientes, que deem conta de todas as tarefas domésticas e de cuidado dos filhos sozinhas e apanhem do marido cotidianamente, os índices de violência contra mulher não vão baixar.


É urgente transformar as masculinidades no país, promover relações de gênero equitativas, respeitosas e não violentas desde a infância, nos espaços de socialização infantil como a creche e a escola; durante a adolescência, nos espaços recreativos de esporte e festa; até a vida adulta, forjando relações conjugais baseadas no diálogo e resolução de conflitos através de meios pacíficos.


O primeiro mês de 2014 começou com estes três casos emblemáticos de violência contra mulheres – e certamente com muitos outros casos que não ganharam as manchetes – mas o Promundo trabalha e conta com todos seus apoiadores para que passemos os próximos onze meses desafiando o modelo de masculinidade dominante e promovendo masculinidades equitativas e não-violentas, para que mais mulheres brasileiras possam chegar ao fim de 2014 com sua vida e sua dignidade preservadas.


Colabore, promovendo a igualdade de gênero e a não-violência no seu dia-a-dia!

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