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A paz começa em casa: Prevenindo os castigos corporais e humilhantes contra crianças e adolescentes
outubro 25, 2012

O que estamos ensinando quando batemos em uma criança e as consequências dessa prática?
Pesquisas apontam que o uso de violências físicas na educação e disciplinamento familiar promove a aprendizagem social da violência, pois oferecem um modelo inadequado de os adultos lidarem com situações de conflitos, que é o uso da força, da violência.
Na maioria das vezes os castigos corporais ocorrem em momentos de descontrole, raiva, frustação, irritabilidade e impulsividade do adulto e pode trazer consequencia graves para as crianças.
Os resultados da pesquisa desenvolvida por Assis (2004) indicam que os jovens que sofrem violências intrafamiliares do tipo físico severo, psicológico e sexual são 3,2 vezes mais transgressores das normas sociais; 3,8 vezes mais vítimas da violência na comunidade e 3 vezes mais alvos de violência na escola do que os jovens cujo ambiente familiar é mais solidário e saudável.
Dois pesquisadores no Canadá – a psicóloga Joan Durrant, da Universidade de Manitoba, e o assistente social Ron Ensom, do Hospital Infantil de Eastern Ontario – analisaram 20 anos de pesquisas, incluindo uma metanálise com mais de 36 mil participantes. A conclusão: “Nenhum estudo mostrou que a punição física tem efeito positivo, e a maior parte dos estudos encontrou efeitos negativos” (2010).
Um estudo feito em 11 capitais brasileiras, realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), aponta fortes indícios de que ser vítima de punição corporal, quando criança, estimule o uso deste tipo de punição quando adultos.
Por que enfrentar o problema?
Em 1996, a OMS (Organização Mundial de Saúde), reconheceu a violência como um problema de saúde pública que afeta praticamente toda a população mundial, com graves consequências e recomendou aos Estados-Partes a implementarem ações de prevenção e enfrentamento desse problema. Dentre as diferentes manifestações de violência que afetam as crianças e adolescentes destacam-se a violência psicológica, física, sexual, negligência e abandono.
No mesmo ano, o Estudo do Secretário-Geral da ONU sobre Violências contra Crianças, consolida informação sobre as formas de violência e os diversos locais onde ela ocorre. Às próprias crianças apontam que os castigos corporais e o tratamento humilhante que sofrem em seus ambientes de cuidado e proteção, ou seja, lares, escolas, instituições de acolhimento, etc. são um problema crucial em suas vidas e precisam ser eliminados.
O castigo corporal passou a ser reconhecido como um problema a ser enfrentando e tanto a ONU quanto a OEA apresentaram recomendações aos Estados-Partes para a necessidade da proteção legal e a realização de ações preventivas.
Que ações estão sendo desenvolvidas para prevenir os castigos corporais no Brasil?
Diversas organizações da sociedade civil, universidades, etc. desenvolvem projetos, pesquisas e articulações que contribuem para o fim da prática dos castigos corporais em nosso país, como por exemplo, o Cendhec, o Claves/Fiocruz, o Crami, o Laprev, o PIM – Programa Primeira Infância Melhor, a Rede Nacional Primeira Infância, etc.
A Rede Não Bata Eduque é um movimento nacional que busca enfrentar os castigos corporais contra crianças e adolescentes e desenvolve campanhas de sensibilização, distribui material de comunicação para pais e responsáveis, conselheiros tutelares, profissionais da educação infantil, organizações da sociedade civil, operadores do Sistema de Garantia de Direitos, etc., busca disseminar praticas positivas de educação, participa de debates e incide politicamente para que o Estado e a sociedade brasileira reconheçam o problema e possam desenvolver ações que contribuam para a mudança cultural necessária e apoiem as famílias na construção de uma educação sem violência.
Na tentativa de enfrentar os castigos corporais, o governo brasileiro, encaminhou para o Congresso Nacional o projeto de lei Nº 7672/2010. A proposta ficou conhecida como a “Lei da palmada” e contribuiu para que o tema entrasse no debate nacional, suscitando opiniões contrárias e favoráveis.
Vale ressaltar que o governo e o congresso brasileiro estão cumprindo sua responsabilidade ao trazerem à tona essa discussão e em propor ações que possam contribuir para a mudança cultural necessária materializada através de um projeto de lei – para que o direito à integridade física e psicologia das crianças e adolescentes possa ser garantido. Um argumento contrário muito utilizado é que o projeto é uma interferência do Estado na vida privada das famílias, já que os pais têm o direito de educar da forma que bem entender seus filhos.
Em contraponto a esse argumento recordamos que quando a Lei Maria da Penha foi apresentada esse tipo de discussão também veio à tona. Quem não recorda do dito “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher!”, pois bem, hoje a Lei Nº 11.340/2006 é reconhecida pela sociedade brasileira como um avanço no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres. A lei tem sido um instrumento importante na proteção da integridade física e psicológica das mulheres.
Crianças e adolescentes também têm o direito de não sofrer qualquer tipo de violência em seu processo educativo e de cuidado, incluindo a violência intrafamiliar. O PL 7672/2010 propõe o reconhecimento desse direito, nada, além disso.
Um argumento religioso também tem sido utilizado para criticar a proposta de adequação legal. Alguns provérbios do Velho Testamento (10:13; 23:13,14; 26:3; 29:15) apresentam a “vara” como instrumento de castigo físico, porém, lideranças religiosas em prol da paz veem debatendo essa questão e sugerem que a interpretação do “uso da vara” seja trazido para o contexto atual e que as pessoas leiam a Bíblia com o olhar de Jesus Cristo, que rompe com diversas tradições do velho testamento e propõe o amor, o perdão, o diálogo e demonstra uma atenção toda especial para com as crianças.
Após uma intensa agenda de debates o PL foi aprovado, por unanimidade, em uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados e será encaminhado para o Senado e se aprovado, segue para a sanção presidencial.
Como movimento social, somos favoráveis à aprovação da Lei 7672/2010, por considerá-la um marco histórico no enfrentamento dos castigos corporais contra crianças e adolescentes, por apresentar uma proposta preventiva e de apoio às famílias, promover campanhas de sensibilização e divulgação de práticas positiva de educação e visa colaborar para a construção de uma sociedade menos violenta.
Um caminho a percorrer
No Brasil, já superamos o uso de instrumentos de punições físicas no ambiente escolar, tais como: a palmatória, ajoelhar no milho, ficar de costas para a parede por horas, etc.
Para superar o uso dos castigos corporais nos ambientes de cuidado e proteção e privilegiar práticas não violentas na resolução de conflitos é preciso reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não como seres subordinados aos adultos que acreditam ter o “direito” ou até o “dever” de bater nelas.
É imperativo promover uma educação positiva, que não utilize qualquer forma de violência física e psicológica e privilegie o desenvolvimento físico, emocional e social de crianças e adolescentes de forma saudável e participativa. Para isso, é preciso uma combinação de campanhas informativas, legislação, oferecimento de serviços de apoio às famílias, qualificação continuada dos profissionais da rede de proteção.
Prevenir a violência física e psicológica contra crianças é um dever de todos nós e juntos seremos capazes de consolidar a mudança cultural tão necessária onde o diálogo, afeto e respeito sejam a base do processo educativo e de cuidado de crianças e adolescentes.
Fonte:
CIDH/OEA – Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Relatório sobre o Castigo Corporal e os Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Relatório sobre os direitos da infância. 2009.
Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/pdf%20files/CASTIGO%20CORPORAL%20PORTUGUES.pdf>.
DURRANT, J. E. Castigos corporais: preponderância, preditores e implicações para o comportamento e desenvolvimento da criança. In: HART, S. N. (Org). O caminho para uma disciplina infantil construtiva: eliminando os castigos corporais. São Paulo: Cortez, 2008.
WILLIAMS, L.C.A.; MALDONATO, D.P.A.; ARAUJO, E.A.C. (Org.). Educação positiva dos seus filhos: projeto parceria. São Paulo: Universidade Federal de São Carlos/Departamento de Psicologia, 2008.
Site: www.naobataeduque.org.br
Marcia Oliveira – Coordenadora da Campanha Permanente Não Bata, Eduque. Trabalha há 20 anos na área de defesa dos direitos de crianças e adolescentes com especialização pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos no Peru em Direito ao não castigo físico e novos paradigmas da infância.